A minha Lista de blogues

domingo, julho 06, 2014

Fascismo, Digo Eu

O que se está a passar este ano com a Fundação de Ciência e Tecnologia (FCT) é absolutamente inacreditável. Para órgãos importantes na definição das orientações setoriais foram nomeadas pessoas sem a qualificação necessária. Depois, as bolsas de investigação foram cortadas dramaticamente, embora a FCT garantisse que dispunha do mesmo nível de financiamento. Agora, da primeira fase de avaliação dos centros de investigação resultou o afastamento de um terço, com decisões escandalosas, quer na ignorância que revelam - caso, na minha própria área académica, do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia, CIES-ISCTE (a que não pertenço, mas conheço bem) - quer na súbita inversão de critérios anteriormente estabelecidos pela própria FCT - como Carlos Fiolhais já assinalou no domínio da Física, entre outros. Esta não é uma questão interna da comunidade científica. Em primeiro lugar, a ciência e a tecnologia constituem hoje forças motoras do desenvolvimento económico. Perder aí valor é sacrificar as condições para uma alternativa realista a esta triste sina do empobrecimento para que fomos empurrados. Depois, a investigação fundamental e aplicada constitui uma das áreas em que Portugal mais progrediu nos últimos anos, e mais conseguiu aproximar-se dos padrões europeus. Fazer agora marcha atrás é absurdo e irracional, porque significa desperdiçar o esforço recente e os recursos investidos. Além de que nenhum dos nossos concorrentes ficará parado à nossa espera. Finalmente, pelo menos no que respeita às Humanidades e Ciências Sociais, a sua sistemática desvalorização, por supostamente menos "úteis", a lógica das nomeações para conselhos de topo, a distribuição dos cortes nas bolsas e, agora, as decisões de desclassificação de centros e as respetivas fundamentações, todas têm por base a combinação entre uma enorme ignorância e um claro enviesamento ideológico. Havendo vários outros, o caso do CIES-ISCTE - que é um dos nossos melhores centros de investigação em sociologia - é paradigmático. Um dos argumentos para a miserável classificação que lhe é atribuída é que os estudos sobre migrações e sobre desigualdades sociais (nele, reconhecidamente, áreas fortes) "estão hoje esgotados", quer em termos "locais" quer em termos europeus. E uma pessoa só pode abrir a boca de espanto perante tal alarvidade. Esgotadas hoje, em Portugal ou na Europa, as questões colocadas pelas desigualdades? Pelas migrações? Onde vive esta gente? O problema não está, como alguns dizem, na "ideologia da avaliação". Eu sou do tempo em que a academia vivia fechada sobre si própria, dividida por mandarinatos e paróquias, com pavor de tudo o que fosse inovação, cosmopolitismo e exigência. Posso testemunhar quão sombrio era esse tempo. O problema é a opção política contra a ciência fundamental, contra a análise crítica dos problemas do país, contra o pluralismo teórico, contra a investigação independente. O problema é o propósito político de desviar os recursos da ciência para a subsidiação encapotada de empresas. O problema é a pulsão de gente que é medíocre para destruir o que encontrou bem feito. Tudo isso se transmite depois em cadeia, até acabar nuns tristes avaliadores que falam do que não sabem e se pronunciam sobre o que não estudaram. Prometi que esta coluna obedeceria a um tom de pedagogia cívica. Pois é mesmo esse tom que quero aqui invocar. Desde a iniciativa, há 130 anos, de Oliveira Martins, quando fundou a Biblioteca das Ciências Sociais, que sabemos, ou deveríamos saber, que a produção e disseminação de conhecimento científico e técnico sobre a realidade é uma condição essencial da nossa qualificação como sociedade. Mas o conhecimento é o contrário da ignorância e do preconceito. Se a ignorância e o preconceito tomaram conta da Fundação de Ciência e Tecnologia, como tudo o que ela vem fazendo leva a crer, então é preciso corrê-los de lá.
E já vai tarde.
 

Sem comentários:

Enviar um comentário