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domingo, agosto 04, 2013

As Coisas São Como São

Estamos em Agosto, o mês que em tempos idos era chamado de "silly season", o mês das questões fúteis, sem interesse nenhum, ocupando o prime time televisivo. Mas os tempos mudam. Passou o irrevogável mês de Julho de 2013, o mês de todos os perigos, quando Portugal decidiu suspender durante pelo menos dois anos a democracia.
 
As coisas são como são. Se é verdade que, desde que a troika aportou a este jardim à beira-mar plantado, a nossa soberania não passa de letra morta constitucional, ainda nos fomos entretendo, durante dois anos, com a possibilidade de que, através da lei e dos actos formais democráticos, poderíamos continuar a ter a ilusão de decidirmos o nosso destino. Mas o mês passado deitou por terra essa ilusão. Ao aceitar um Governo que, em qualquer outra situação normal, teria caído, Cavaco Silva chamou a si os destinos do país e decidiu colocar um ponto final, de uma vez por todas, nas regras que regem o estado de direito, a começar por eleições ou pela possibilidade de alternância democrática. Foi uma escolha. Uma escolha que os portugueses aceitaram passivamente - e não adianta afirmarem em inquéritos de opinião que nada mudou com o "novo Governo", a verdade é que preferimos ir a banhos do que ir para a rua lutar pela decência democrática. Tudo mudou, a começar pela possibilidade de termos mão no nosso próprio destino - e nada fizemos para recusar a suspensão decidida por Cavaco Silva.
 
Chegados a este ponto, tudo é, de facto, possível. Os comentadores ainda se surpreendem - ou fingem surpreender-se - com as sucessivas notícias que vão chegando dos palácios do poder, mas a verdade é que o povo está suficientemente anestesiado para achar qualquer coisa que aconteça normal. É normal aceitarmos antigos dirigentes do banco responsável pelo maior roubo aos contribuintes de que há memória como ministros; é normal termos uma ministra a mentir sucessivamente no parlamento e nas televisões, contradizendo-se a cada declaração pública; é normal termos um secretário de Estado que propôs negócios ruinosos ao Governo português vir a ocupar um lugar que decide sobre o destino a dar esses negócios. Tudo é normal, tudo é possível, porque decidimos aceitar a suspensão da democracia. A partir do momento em que um Governo morto e enterrado continua a governar contra o nosso interesse, é perfeitamente natural que ele se sinta em roda livre para fazer o que muito bem entende com o erário público.
 
Não tenhamos dúvidas: não nos devemos surpreender por terem ido para o Governo pessoas com responsabilidades no BPN, pessoas que tentaram vender contratos "swap" para mascarar dívida pública, pessoas que disseram em público desconhecerem os negócios da Ongoing com o Estado. Ninguém esperaria o contrário. Neste momento, ninguém com um mínimo sentido de decência e integridade pessoal aceitaria um convite para ser membro deste Governo. É normal que as recusas de convites de possíveis governantes se tenham multiplicado. A conclusão evidente é que apenas gente sem moral, desonesta ou carreirista almeje alçar-se ao pote. Neste momento, apenas membros da quadrilha, pessoas envolvidas em negócios obscuros ou com uma dissonância cognitiva tão acentuada que acham que pertencer a este Governo traz alguma mais valia à carreira aceitariam ser ministros, secretários de estado ou até assessores do executivo.
 
Este é um Governo que se governa a si próprio e zela pelos interesses do grande capital e do sector financeiro. Tudo é realmente aceitável, nada é surpreendente. Valerá a pena que os media percam tanto tempo a investigar e a revelar as ligações perigosas dos actuais governantes? Se todo e qualquer crime não terá castigo - e Portugal tem uma longa tradição de inimputabilidade dos políticos -, de que servem os jornais que denunciam a corrupção e a mentira em que está enredada a quadrilha que nos governa? Acabe-se com a imprensa, acabe-se com as denúncias, ninguém se importa. Acoitados ao poder, os mentirosos, os criminosos e os corruptos tratam da sua vida. É este o melhor dos mundos. 
 
Por Sérgio Lavos, aqui: http://arrastao.org/2872477.html
 

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