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sexta-feira, junho 10, 2011

O Bloco de Esquerda: Da Crise de Crescimento à Crise de Encolhimento

1. O aparecimento do Bloco de Esquerda foi uma lufada de ar fresco na vida política portuguesa. Não só porque se propunha introduzir uma nova forma de fazer política distante da lógica partidária e muito próximo da ideia de movimento social, mas também pelas questões inovadoras que introduziu na agenda política. Defesa da interrupção voluntária da gravidez, direitos das minorias, defesa dos valores ambientais, etc, etc. Com um discurso claro e sedutor, centrado nos valores da democracia, da igualdade e da justiça social, o Bloco, impulsionado por alguns intelectuais orgânicos bem posicionados no espaço mediático português conseguiu um crescimento rápido do partido, o que lhe permitiu adquirir uma expressão nacional que no seu expoente máximo lhe assegurou uma representação parlamentar de dezasseis deputados da nação.

2. Como tudo o que cresce se complexifica, o Bloco de Esquerda deparou-se aqui com um dos seus principais desafios, precisamente o de resistir à tentação de se tornar num aparelho partidário burocrático com todos os tiques inerentes à típica lei de ferro da oligarquia dos partidos. Através de estratégias como a rotação parlamentar o Bloco foi tentando não se tornar, ou aparentar não se ter tornado num partido tradicional como qualquer dos outros com representação já fortemente institucionalizada na Assembleia da República nacional. Não o conseguiu. O Bloco já é um partido com uma lógica directória intrinsecamente partidária. Não vem daí mal ao mundo se tiver a lucidez de controlar alguns dos eventuais efeitos perversos "naturais" à lógica de uma organização cuja finalidade é manter o poder interno e tomar de assalto o poder societal no "exterior".

3. Em Setembro de 2009, Manuel Alegre, "entendeu dar um sinal" em Coimbra de apoio à candidatura de José Sócrates. Começava aqui um dos maiores rombos do Bloco de Esquerda desde o início da sua vida partidária. Alegre, que sempre tivera um discurso socialista à "esquerda" dentro de um partido que apesar de se dizer "socialista" governava claramente à direita e que para alguns dos militantes do PS era mesmo já tido como persona non grata, abraçava neste dia as desastrosas políticas neoliberais do governo de Sócrates. O resto da história é conhecido. Francisco Louçã, na candidatura das Presidenciais seguintes viria a dar o seu apoio ao homem que acabara de legitimar o caminho desastroso que nos levaria à bancarrota, com a agravante de ter que vir a fazer campanha ao lado de Sócrates. Pode sempre a direcção bloquista (e Daniel Oliveira) argumentar que o apoio era ao homem isolado e não às políticas do partido que o apoiava que isso será sempre contar apenas um dos lados da coisa. Estou plenamente convencido que se o Bloco tem seguido o seu caminho e apresentado o seu candidato próprio tinha construído uma história de coerência que evitaria o seu estádio actual de crise de encolhimento.

4. Mas o Bloco também não se conseguiu libertar das armadilhas montadas pelo grupúsculo que girou em torno de Sócrates. De resto um grupúsculo com elevado sentido de tacticismo político só ao alcance dos leitores do tratado de Maquiavel. José Sócrates agarrou a agenda em torno da política dos "valores" do Bloco, esvaziando uma boa parte da sua razão de ser. Não estou convencido que a aparente defesa de Sócrates em torno do casamento dos homosexuais fosse verdadeiramente genuína. Ela aparece num momento em que o PS já ia perdendo o seu vigor e legitimidade. Não tivesse existido Miguel Vale de Almeida e não teria havido tão cedo casamento homossexual em Portugal. Agarrando as causas inovadoras do Bloco de Esquerda, Sócrates arrumou pelo menos temporariamente com uma parte dos eleitores do Bloco. Restava agora a defesa dos direitos dos trabalhadores, o desemprego, a precarização. As causas do Partido Comunista...

5. Uma outra armadilha em que o Bloco se deixou enredar foi o de se deixar rotular como um partido "radical". As palavras que nomeiam o mundo social são fundamentais para a construção desse mundo social. O acto de nomeação não é nunca um acto neutro. É sempre um acto profundamente político. Como sabem bem todos os políticos inteligentes não é a mesma coisa dizer "esquerda moderna", "esquerda da esquerda", "esquerda grande", "extrema-esquerda" ou ainda "centro-esquerda". O acto de nomeação da realidade constrói uma representação social sobre essa mesma realidade e o Bloco caiu na armadilha "radical" inventada pelo grupúsculo de Sócrates e bem reproduzida de forma mais consciente ou menos consciente pela conservadora comunicação social portuguesa, parte dela interessada na divulgação dessa mesma representação. Quem viu o debate que Francisco Louçã perde para Sócrates em 2009 sabe bem como este o "tramou" com a ideia de que o Bloco ia nacionalizar todo o "mercado" nacional.

6. Depois veio a moção de censura e estou convencido que o Bloco fez bem em avançar com a dita cuja. O problema foi a forma e o processo em torno do qual a coisa foi feita. Uns poucos dias antes da apresentação da moção, o Bloco não queria dar o poder à direita e uns dias depois mandou mesmo o governo dar uma curva ao encontro da Troika. Mais uma vez havia aqui desnorte e incoerência. Querendo chegar ao poder e não percebendo bem como o fazer, o Bloco passava aqui pela sua maior indefinição ideológica. Veio depois a ausência de negociação com o FMI/BCE/CE que num país ainda do respeitinho foi encarado como uma afronta. A mesma comunicação social hiperconservadora não deixou de aproveitar para trocidar o Bloco e o PCP. Não legitimar a intervenção da Troika e por consequência o austeritarismo recessivo que a mesma representa não coube no espaço do pensável da elite conservadora nacional. Se a posição de fundo eu não posso deixar de estar com ela, do ponto de vista político foi mais um rombo eleitoral. Talvez não tivesse vindo mal ao mundo, à semelhança do que fez Carvalho da Silva, ir a jogo marcando a posição no lado oposto do jogo.

7. O Bloco de Esquerda é hoje um partido fundamental à democracia portuguesa e é crucial para a evolução da esquerda portuguesa. Se o Bloco não pode prescindir de alianças com um outro PS no futuro, o PS também não terá facilidade em chegar ao poder se não fizer aproximações ao Bloco de Esquerda. O PCP terá que ser também um importante parceiro do jogo. As lutas que se avizinham são gigantescas e não se compadecem com sectarismos e isolacionismos de esquerda. Se a esquerda não encontrar maneira de fazer pontes, os responsáveis pela crise passar-se-ão sorridentes pela devastação da crise. A crise é de uma dimensão brutal e o sorriso da direita já está a acontecer por cima dela.

8. Última nota ainda para o Bloco. É altura de reflexão, crítica, abertura, discussão, correcção de erros e de estratégias. Se o Bloco fizer o que fazem todas as maquinas partidárias solidamente instituídas e empurrar o debate e a reflexão para o directório do partido não se livrará da aproximação ao que de pior existiu no PS de Sócrates. E não haveria necessidade.

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