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sábado, abril 24, 2010

36 Anos de Abril

Como estamos hoje portugueses, 36 anos depois da Revolução de Abril? Resposta difícil a uma pergunta de contornos mal definidos. A vastidão globalizante que enforma uma pergunta deste tipo só pode ter como resultado uma igual resposta vaga. Mas vale a pena dizer qualquer coisinha sobre o assunto. O Portugal pobre e honrado de Salazar está em vias de extinção. O país rural, pobre e analfabeto mudou totalmente a sua faceta. As habitações dos portugueses na sua maioria já não têm ratoeiras e ratos. Já não há retretes nas cozinhas. Os pés descalços, andam agora, mais ou menos, confortavelmente calçados. Já não se vai à boleia para a praia de Quarteira. Raramente se cospe para o chão e os dentes dos portugueses sofreram uma considerável melhoria. O desmancho passou a interrupção voluntária da gravidez e a pouca criançada que hoje vem ao mundo tem quase cem por cento garantida a sua sobrevivência. Somos hoje mais altos e temos melhor saúde. A minha avô já não diz que vem aí a PIDE para me conseguir meter em casa e os turistas já não olham para nós como europeus de terceira categoria. Os livros da Gina já não fazem sensação e a censura oficial já não tem cartas de alforria. Já não há partido único e vão diminuindo os "chefes" de família. Elas já não precisam de autorização para casar e os isqueiros já não precisam de licença. Um romântico beijo de namorados no Jardim dos Amuados já não dá visita ao posto e as reguadas da minha professora primária seriam hoje uma violência. Acabou-se a autoridade que não se discute e as crianças ganharam direito a existir. A passagem pela guerra de África ou pelo exilío no estrangeiro ficou para os armazéns da memória e a emigração a salto para França já faz parte da história. Aprende-se mais e melhor e a ignorância em massa foi à vida. TV Cabo, Vodafone, computador, wirless, i-pad, youtube, magalhães e internet são o pão nosso de cada dia. Quase toda a gente tem televisão, carro, telemóvel, frigorifico, torradeira e máquina de lavar. Muitos têm casa própria e poucos dispensam o centro comercial. Vive-se mais tempo e com maior qualidade de vida. Viaja-se mais e mais barato. Sentimo-nos mais europeus. Temos o sentimento de fazer parte do globo. Abril abriu-nos a porta ao mundo. Abril foi um dia feliz. Mas a pobreza não se foi embora de todo. As desigualdades ainda escandalizam. A corrupção grassa no aparelho de Estado e nas autarquias. Os partidos políticos perderam o crédito. A economia arrasta-se. O aparelho produtivo tem dificuldades na sua reconversão. A imigração explodiu mas a emigração ainda é maciça. A cidadania apesar de crescer, é ainda diminuta. O desemprego e o precariado instalaram-se na estrutura societal. A incerteza coartou a capacidade de fazer futuro e o medo traz consigo a insegurança. Instala-se o descrédito e hipoteca-se a esperança e a "globalização" e os "mercados" ameaçam com a bancarrota. Novos tempos com novos graves problemas. Não precisamos de um novo Abril. Precisamos de mais Abril. Democratizar a democracia. Diminuir as desigualdades. Reduzir a pobreza. Tornar justo o sistema de justiça. Igualizar as oportunidade sociais. São as utopias realistas que fazem o mundo andar para a frente. Portugal precisa urgentemente de utopias realistas. E de políticos capazes de as estimular.

6 comentários:

  1. Incontestávelmente estamos melhor. Somos outro País apesar das falhas e do que deveria ter sido feito e não foi. Por isso mesmo Abril tem de ser cumprido todos os dias. Viva o 25 de Abril. Abraço - Palma

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  2. Portugal precisa de utopias realistas.
    Há muito por fazer e apesar de haver muitos que não queiram vamos certamente conseguir com os restantes. E seremos muitos. Beto

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  3. Soberbo texto João! Estou plenamente de acordo e nessa causa de Alimentar Abril! Vamos, então, para a Revolução!

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  4. Jorge...hoje como advogado do diabo!!!12:37 da tarde

    Portugal tinha ficado estagnado se não fosse a Revolução dos Cravos? A qualidade de vida era igual à que existia há 36 anos atrás? A liberdade que desfrutamos dá de comida a quem tem fome e emprego a quem não trabalha? A liberdade de expressão de que desfrutamos tem levado os corruptos para as prisões? As desigualdades sociais reduziram-se desde que vivemos em democracia? As denúncias relativas aos altas remunerações de certos gestores têm sido tomadas em consideração?

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  5. Já se fala em Revolução como quem elege um Presidente de um qualquer partido ao fim de semana. Sejamos honestos e deixemos de «anarquices».
    Há muito por concretizar toda a gente sabe. Soluções à vista ? Não aparecem as maganas. Viva Abril sempre vivo.
    Zeca

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  6. Não há mágoas nem queixas ou indignações, frustrações, rancores e revoltas que apaguem o significado e a profundidade das mudanças de 24 para 25 de Abril de 1974. Mas não vou gastar latim retórico a enumerar os indicadores da mudança pois ia-vos enfadar sem conseguir ser exaustivo. Escolho, por isso e neste dia, apenas uma provocação simbólica: imaginam as damas, as senhoras, as jovens e as adolescentes que só pelo 25 de Abril se tornou possível saírem à rua e ocuparem espaços públicos sem serem mandadas, impedidas, molestadas ou incomodadas? Não sejam modestas em demasia, minhas caras concidadãs, vocês foram, sobretudo por mérito vosso (pois claro), a conquista menos corroída, porque mais estrutural, daquela madrugada.


    João Tunes

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