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terça-feira, abril 14, 2009

Reinventar um mundo novo: repensar as relações entre o Estado e o Mercado

A crise económica, financeira, social e ecológica que actualmente atravessamos é mais uma das grandes crises ciclícas teorizadas já por Karl Marx em meados do século XIX. A crise é inerente ao modo de produção capitalista e faz parte da dinâmica das relações de exploração entre capital e trabalho.

O que agora alguns neoliberais, como Sócrates e Barroso, críticam de "pensamento único" não é mais do que um modo hegemónico de pensar as relações de produção capitalista e a relação entre Estado e Mercado, sendo a intervenção do Estado "demonizada" e o apelo ao funcionamento do "mercado livre" de quaisquer "barreiras e entraves", eleito o grande Deus do Olimpo, que fantasiosamente iria levar a que os "interesses individuais", um dia, que bem poderia ser, "não se sabe quando", se transformassem no "interesse geral" de todos os cidadãos.

Sabemos que o excesso de intervenção Estatal na economia não gerou bons resultados, quer na economia, quer nas liberdades e que quer os totalitarismos de direita, sob a forma do nacional socialismo alemão ou do fascismo italiano, quer os totalitarismos de esquerda, sob a forma do comunismo soviético e outros, não trouxeram coisa boa ao mundo.

Por outro lado, a hegemonia do pensamento neoliberal a partir do célebre "Consenso de Washington" agravou as desigualdades sociais, elevou a pobreza e a "exclusão" social à escala planetária (com raríssimas excepções em alguns países) e provocou a hecatombe a que agora assistimos, incrédulos. Desregulamentação, privatização, livre iniciativa (muito pouco ou nada regulada), precarização, flexibilização das relações de trabalho, retrocesso nos direitos sociais e laborais já conquistados, tornaram-se numa prática e numa vulgata "naturalizada" na boca de políticos, jornalistas, economistas "ortodoxos" e outros católicos à escala mundial. O receituário neoliberal ganhou contornos de credo religioso. Hoje o credo é posto em causa até pelos seus principais crentes.

Se a "solução" não pode ser o Estado nacionalizador (não creio que seja esse o remédio, já experimentado no passado com maus resultados) não creio também que a "solução" passe por mais do mesmo e pela manutenção do Estado dito "mínimo". A "terceira via" de Giddens apontada como uma ultrapassagem da dicotomia Estado e Mercado, foi adoptada por Blair em Inglaterra e por Clinton nos EUA e foi objecto de apropriações neoliberais que lhe retiraram a credibilidade teórica. O que fazer então?

Penso que as relações entre Estado e Mercado têm que ser objecto de um aprofundamento reflexivo para que se encontre um justo equilíbrio entre os diferentes grupos de poder na sociedade e de forma a que a redistribuição da riqueza, do poder e do prestígio possam adquirir uma maior justeza.

Os maiores problemas na sociedade portuguesa remetem para os elevados patamares de desigualdade social, para os baixos níveis salariais dos trabalhadores portugueses, sobretudo os situados nos lugares mais baixos da escala social, nos elevados indíces de pobreza e na baixa escolarização e na fraca protecção social.

A tradicional e convencional visão conservadora que nos diz que as funções centrais do Estado são a soberania, a segurança e as relações externas, tem que ser alterada para uma outra visão hegemónica das funções estatais que leve em conta a complexidade das relações sociais e que reconheça a dualidade social existente na sociedade portuguesa.

Em primeiro lugar, deve-se assegurar as principais funções económicas do Estado. Não caberá na cabeça de ninguém privatizar o oxigénio, um bem público de primeira necessidade. Mas depois é preciso deixar respirar o mercado. Não cabe também na cabeça de ninguém que existam "empresas do regime", uma vez que esta dependência estatal dos poderosos face ao Estado Português, desvirtua a necessária concorrência dos actores económicos. São os actores económicos mais frágeis que têm que ser apoiados e não os mais fortes, sob pena de anulação da capacidade concorrencial das empresas do país.

Depois, há que elevar de uma vez por todas a pobreza, as desigualdades sociais e os baixos salários como o problema principal da sociedade portuguesa. Enquanto tivermos um Estado paternalista a actuar numa lógica paliativa não se resolvem estes grandes problemas estruturais. E é sabido que não basta intervir nas políticas sociais. É preciso alterar as políticas económicas no sentido de uma maior redistribuição da riqueza.

O Estado tem que ser o principal actor no sentido do incremento das políticas educacionais, da saúde, do ambiente, da justiça e da cultura. Estas são funções centrais do Estado e do interesse público. Sem assumir isto, andamos a fazer de conta que mudamos qualquer coisinha para deixar tudo na mesma. Dir-me-ão que o Estado Providência e as políticas Keynesianas dos trinta anos de ouro no mundo ocidental já não são possíveis. Dir-me-ão que os Estado-Nação com o envelhecimento demográfico estão à beira da falência. Sim, há aqui problemas sérios, concordo. O que fica por explicar é de onde apareceram repentinamente os milhares de milhões de euros para injectar no mundo da banca à escala mundial. Afinal existiam? Repensar prioridades e mudar de paradigma é preciso. Não basta apelar a políticas de "coesão social" ou de "inclusão social" sem se saber muito bem do que estamos a falar. É preciso reflectir mais e agir, já e depressa.

1 comentário:

  1. Excelente post amigo João! Estão aqui patentes questões bastante pertinentes e urgentes, as quais devem ser motivo de forte reflexão tanto para a generalidade da classe política como para todos aqueles que pretendem alcançar um mundo dito mais justo e essencialmente de cariz mais social e humanitário, onde o mercado é peça fundamental, mas não única e impossível de se modificar.
    Interessante o questão final que coloca: "O que fica por explicar é de onde apareceram repentinamente os milhares de milhões de euros para injectar no mundo da banca à escala mundial. Afinal existiam?" Fica para a apreciação dos leitores.

    Cumprimentos

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