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terça-feira, novembro 11, 2008

Semana da poesia, do amor e da felicidade

Farto de cumprir ordens emanadas do Estado central, através de leis, regulamentos, despachos, circulares, directivas, directórios, regras de trânsito, regras da moral e dos bons costumes e outras que tais, o blogue macloulé, num acto de recusa pelo cumprimento das leis da república, decreta para o resto desta semana, a semana da poesia, do amor e da felicidade. Começamos hoje a nossa selecção daqueles que consideramos alguns dos mais belos poemas da poesia portuguesa.

Cântico Negro

"Vem por aqui" --- dizem-me alguns com olhos doces,
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom se eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui"!
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos meus olhos, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...

A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
--- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre a minha mãe.

Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...

Se ao que busco saber nenhum de vós responde,
Por que me repetis: "vem por aqui"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...

Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós
Que me dareis machados, ferramentas, e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátrias, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios.
Eu tenho a minha Loucura!

Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...

Deus e o Diabo é que me guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou,
Sei que não vou por aí!

José Régio

2 comentários:

  1. Boa escolha João ... pra começar ... aquele grito (ainda mudo) que sai da garganta dos descontentes e ... definitivamente, este não é o caminho ... em trinta e tal anos, foi a primeira vez que não votei PS ... acredite ou não ... votei BE simplesmente porque Socrates não me dizia nada como socialista ... não tenho vergonha de o dizer ... e estou com o Manuel Alegre... Foi um desabafo ok? :)

    Eu tenho a minha Loucura!

    Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura ...

    Um abraço
    Liliana

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  2. Olá Liliana. Com uma visitante de peso a responsabilidade das escolhas aumenta :))

    Abraços
    João

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