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sábado, novembro 03, 2007

Será possível mudar a escola sem mudar a sociedade?

O ritual veio para ficar e tem o mérito de lançar a discussão sobre a qualidade das nossas escolas e as funções sociais exercidas pela instituição escolar.

A divulgação dos rankings das escolas, a partir dos resultados dos exames, desta vez alargada também ao ensino básico, apesar de ser um exercício altemente imperfeito na sua metodologia, vem lançar de novo no espaço público, uma série de interrogações sobre as desigualdades sociais face à escolarização e a possibilidade de a mesma poder funcionar, ou não, como instrumento de igualização de oportunidades sociais.

Deixo aqui algumas reflexões que os rankings das escolas básicas e secundárias me permitem alimentar:

1. É de crucial importância que se divulgue informação rigorosa e credível sobre a qualidade educativa das nossas escolas.
Só com produção de conhecimento sobre o funcionamento das nossas escolas e com a divulgação democrática desse mesmo conhecimento, é possível os alunos e as suas famílias escolherem os percursos escolares que melhor correspondam às suas "vocações", assim como perceberem antecipadamente as consequências para os seus destinos sociais e profissionais futuros que resultam das suas escolhas. Uma escolha mais informada é uma escolha mais democrática.

2. Os rankings agora divulgados, porque não levam em conta as condições económicas e sociais de partida dos alunos, que são muito desigualmente repartidas consoante as suas origens sociais, são um instrumento altamente falacioso do desempenho das escolas.

3. Desde a década de 60 do século XX, que os sociólogos da educação puseram em evidência um conjunto de determinismos sociais, que pesam muito desigualmente sobre os resultados escolares e que são variáveis consoante a posição ocupada pelos indivíduos e suas famílias na hierarquia do espaço social.

3.1. Os resultados têm tido ligeira variações em quase todos os países ocidentais ditos desenvolvidos, mas revelam as seguintes tendências dominantes:

- Quanto maior o capital económico e cultural das familías melhor em média os resultados escolares dos alunos.

- O capital cultural, sobre a forma do capital escolar, sobrepõe-se mesmo ao capital económico.
O mesmo é dizer que para alunos provenientes de familias com idêntico capital económico, quando os pais têm um maior nível de escolaridade, melhoram significativamente os resultados dos seus filhos.
Recordo, que falo de tendências e de regularidades sociais e que não se deve confundir isso com determinismo social.

- Esta constatação é importante para a análise dos rankings, pois existe a tendência em confundir as escolas que aparecem no topo do ranking como as que melhor trabalham e com a boa performance de professores e alunos, esquecendo que ao não se considerar a composição social dos seus públicos, as comparações tornam-se ilegítimas do ponto de vista científico.

4. Os rankings agora divulgados permitem-nos, mesmo altamente imperfeitos, constactar de que forma as assimetrias sociais presentes na sociedade portuguesa se refletem nas nossas escolas.

Assim, é possível constactar que existe uma sobrerepresentação clara das escolas privadas no topo do ranking e uma subrepresentação das escolas públicas.

No fundo da tabela a representação é inversa, estando as escolas privadas subrepresentadas e as escolas públicas sobrerepresentadas.

Podiamos perguntar: será porque as escolas públicas são piores que as privadas? Resposta clara: Não; as escolas privadas têm em geral melhores resultados devido à composição social dos seus públicos, com as classes médias e altas claramente sobrepresentadas nas escolas privadas.

5. As assimetrias ao nível dos diferentes territórios do nosso país que se manifestam em desigualdades assinaláveis face aos níveis de vida, nas diferentes oportunidades sociais de acesso à cultura e aos diversos bens culturais e sociais estão bem desenhadas nos rankings divulgados.

As escolas do interior, em geral, têm piores resultados do que as do litoral e as do centro do país têm, em geral, melhores resultados do que as da periferia.

A tendência dominante é a de que há medida que cresce o nível socio-económico de um dado território melhoram os resultados escolares dos alunos.

5.1. Também aqui a relação não é totalmente determinista. Ou seja, há escolas (são excepções) em territórios desfavorecidos social e culturalmente que conseguem bons resultados.

Nestes casos, o efeito escola provavelmente far-se-á notar. Sabemos hoje que a organização de uma escola, o papel da gestão escolar, as práticas pedagógicas dos professores, a colaboração dos pais com a escola e da escola com os pais, ou a intervenção mais próxima da comunidade educativa no espaço escolar, pode fazer toda a diferença.
Estes casos de excepção era interessante serem observados de perto.

6. Uma das desigualdades mais presentes e persistentes nas nossas escolas é a desigualdade de género.
Elas (mulheres) são hoje, em geral, mais escolarizadas do que eles (homens) e tiram melhores resultados escolares em todos os graus de ensino. Os rankings trazem elementos de reflexão interessantes a este nível.
No ranking deste ano, elas apresentam melhores resultados do que eles a Português e eles tiram melhores resultados do que elas a Matemática.
Aspectos da socialização primária diferentes em ambos os géneros, ou a interacção entre eles e elas (professores e alunos) poderão ajudar a compreender estas diferenças.

7. Por último, dizer que os rankings, mesmo altamente imperfeitos, volto a sublinhá-lo, permitem constatar o papel da escola como instrumento de reprodução das desigualdades sociais na sociedade portuguesa e como um instrumento legitimador por excelência das hierarquias constítuidas no espaço social.

Deixo uma última pergunta no ar:
A quem servem estes rankings? E que efeitos perversos ou que virtudes poderão trazer para a organização das nossas escolas, numa época em que o Estado Social se retira das suas obrigações como instrumento de fomento da igualdade de oportunidades sociais?

Bom fim de semana e espero que tenha sido boa a festa das bruxas...porque as bruxas são como as desigualdades sociais face à escola...eu não sei se elas existem...mas que as há, há...

3 comentários:

  1. Essa questão académica de escola-sociedade ocupou muitos por muito tempo durante o PREC e, de resto durante a revolução industrial e ainda hoje na Concertação Social...
    Terá, a Escola, o seu ritmo, nunca alheia à sociologia e às politiquiçes.
    A sociedade permanecerá desigual, a Escola pública continuará a(missionariamente), reduzir as desigualdades. Sejamos portanto, inteligentes na análise dos Rankings!

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  2. Meritória a causa da rolha. Parabéns pela iniciativa. Quanto à escola e às desigualdades...
    sugiro que faça um simples cruzamento estatístico entre a profissão e o nível de escolaridade dos pais e o resultado escolar dos alunos. Vai ver a surpresa que vai ter!

    Todas as escolas deveriam fazer a análise destas simples variáveis. Só conhecendo e (re)conhecendo a realidade empírica das nossas escolas elas podem ser melhoradas. Talvez assim muitos mitos e crenças sobre as possibilidades transformadoras da escolarização caíssem por terra e fizessemos uma intervenção mais realista porque mais informada!
    Abraços e felicitações pelo blog da rolha.

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  3. Questão muito bem colocada e devidamente fundamentada, somente um mero reparo, relativamente à escolarização atentendo ao género, então obvio que o feminino impera, face ao número.
    Parabéns pelo espaço muito completo e devidamente cuidado e elaborado.
    Saudações Algarvias

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