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domingo, março 05, 2006

Problemas da cidade de Loulé 10: O Estado, Sócrates, os bons pobres e os maus pobres

A medida agora anunciada por José Socrates de combate à pobreza através do apoio aos idosos é uma decisão política que merece todo o meu aplauso.

Nenhum ser humano digno desse nome,"humano", negará que os idosos são das categorias sociais mais penalisadas em termos de desigualdades sociais e onde a pobreza em Portugal está mais concentrada.

Para além de ser uma inteligente medida política de caça ao voto, uma vez que com o envelhecimento da população concentra cada vez mais eleitores no topo da pirâmide demográfica, são este tipo de medidas que acabam por distinguir hoje a esquerda da direita, pondo em causa aqueles que dizem que hoje esta distinção não faz sentido.

Contudo...e porque há sempre um mas...esta medida sofre de uma miopia que tem atravessado diversos regimes políticos, sejam eles monarquicos, repúblicanos, Salazaristas ou democráticos.

E o problema é este...é que os nossos governantes teimam em distinguir os "bons pobres", merecedores da caridade do Estado e os "maus pobres" de quem há que desconfiar e agir em conformidade.
Temos então um Estado que decide em função de dois tipos de cidadãos, os "merecedores" porque honestos e os "malvados" porque não são cidadãos de bem.

Trago-vos um texto de Eça de Queiróz na sua obra "O Conde de Abranhos" para que reflitam sobre o assunto e que vejam que o mesmo já não é novo, pois esta obra é de finais do século XIX.

Sem comentários... deliciem-se por favor, passo a citar:

"Além disso, ele reconhecia que a caridade era a melhor instituição do Estado. Quanto ao pauperismo, tinha-o como uma fatalidade social: fossem quais fossem as reformas sociais, dizia, haveria sempre pobres e ricos: a fortuna pública deveria estar naturalmente toda nas mãos de uma classe, da classe ilustrada, educada, bem nascida. Só deste modo se podem manter os Estados, formar as grandes indústrias, ter uma classe dirigente forte, por possuir o ouro e base da ordem social.

Isto fazia necessariamente que parte da população "tiritasse de frio e rabiasse de fome".

Era certamente lamentável, e ele, com o seu grande e vasto coração que palpitava a todo o sofrimento, lamentava-o.

Mas a essa classe devia ser dada a esmola com método e discernimento:

- e ao Estado pertencia organizar a esmola. Porque o Conde censurava muito a caridade privada, sentimental, toda de espontaneidade. A caridade devia ser disciplinada, e, por amor dos desprotegidos regulamentada: por isso queria o Asilo, o Recolhimento dos Desvalidos, onde os pobres, tendo provado com bons documentos a sua miséria, tendo atestado bons atestados de moralidade, recebessem do Estado, sob a superintendência de homens práticos e despidos de vãs piedades, um tecto contra a chuva e um caldo contra a fome.

O pobre devia viver ali, separado, isolado da sociedade, e não ser admitido a vir perturbar com a expressão da sua face magra e com narração exagerada das suas necessidades, as ruas da cidade.

"Isole-se o Pobre!" dizia ele um dia na Câmara dos Deputados, sintetizando o seu magnifico projecto para a criação dos Recolhimentos do Trabalho. O Estado forneceria grandes casarões, com celas providas de uma enxerga, onde seriam acolhidos os miseráveis.

Para conseguir a admissão, deveriam provar serem maiores de idade, haverem cumprido os seus deveres religiosos, não terem sido condenados pelos tribunais (isto para evitar que operários de ideias suversivas que, pela greve e pelo deboche, tramam a destruição do Estado, viessem em dia de miséria, pedir a esse mesmo Estado que os recolhesse).
Deveriam ainda provar a sobriedade dos seus costumes, nunca terem vivido amancebados nem possuírem o hábito de praguejar e blafesmar. Reconhecidas estas qualidades elevadas com documentos dos párocos, dos regedores, etc.; seria dada a cada miserável uma cela e uma ração de caldo igual à que têm os presos"

Eça de Queiróz em "O Conde de Abranhos" pag.34 e 35.

Pois é, continuamos no séc. XIX. O Conde agora tem é outro nome...

Um abraço e boa semana.

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